Anfitrião Moldado ou a Ilusão Sagrada

Leitura - Ode Marítima

Sessão de Apresentação Pública
Casa de Cultura de Fafe

Sessão de apresentação pública


Casa de Cultura de Fafe
27 de Março 2009

O Janelas Plurais - Núcleo de Arte Dramática tem desde o dia 27 de Março as suas janelas abertas. No Auditório Municipal da Casa de Cultura de Fafe, realizou-se a sessão pública de apresentação do referido Núcleo. Puderam os presentes constatar da indispensabilidade de um lugar de formação, criação e debate cultural dramático. No inicio da sessão, o actor Fábio Alves, convidado do Núcleo, sob o tema: “O acto teatral no meio urbano. O actor perante as múltiplas possibilidades e linguagens passíveis de representação”, incidiu a sua comunicação no teatro perante as novas tecnologias, no surgimento de novas formas artísticas, na importância da formação e sua aplicação em cena e da função social do teatro. De modo a melhor se compreender os arquétipos do Janelas Plurais, naquilo que é o exercício prático de seus fins, os elementos constituintes da companhia de teatro que integra o núcleo e tem o nome deste como seu, realizou uma leitura encenada da “Ode Marítima”de Álvaro de Campos, com leitura de Filipe Alves de Jesus, musica de José Miguel Costa e vídeo de Duarte Antunes. O sublime do momento permite augurar a distinta qualidade dos projectos futuros. A última comunicação da noite foi responsabilidade do presidente do Núcleo, José Rui Rocha, que, de forma assertiva abordou o tema: “Janelas Plurais – Núcleo de Arte Dramática – o gesto cultural dramático: da poiesis à mimesis.” No dito ficou estabelecido o propósito do Janelas plurais. A sua existência será uma efectividade enquanto nele, os personagens que representamos, encontrarem palco e sentirem necessidade de a outros indicar lugares de representação. Fruto de renovada imaginação – elemento fundamental, e hoje enclausurado numa velha caixinha de música tocando formatação – o teatro, à imagem dos palcos vizinhos, enriquecerá a cidade de Fafe. É numa perspectiva de reeducação, reestruturação e responsabilização cultural que surge o Janelas Plurais – Núcleo de Arte dramática. Este terá sempre presente a possibilidade de convergência e coabitação entre inúmeros planos. Esta multiplicidade não comporta necessariamente um espaço ruidoso, uma visão plural pode ter origem num espaço vazio onde seja possível a construção, a criação, uma renovada leitura a cada olhar dirigido. Determinados mas não teimosos, abertos e não enclausurados, disponíveis e não promotores de adiamento, o núcleo assume o compromisso com o município que nos acolheu (mas cientes da acção num plano nacional) de promover o confronto de ideias, o debate cultural e a formação artística nos diversos planos que integram o teatro. No proposto pelo Janelas Plurais não haverá lugar à indiferença. É seu propósito despoletar, de forma ambivalente nas mentes que futuramente os preencham – combatendo a monovalência instituída – um sério sentido crítico.

O gesto cultural dramático - da poiesis à mimesis

A invisibilidade e o silêncio da cultura comportam uma súplica angustiante no gesto praticado. Sentada num qualquer lancil de passeio, esta suga migalhas que permitam este vício conservar ou só e exposta em longe janela do seu palácio acena difusa a quem passa sem ser reconhecida. Em entrevista a Luís Miguel Queirós, jornalista do jornal o Público, Paul Schrader admite que o cinema está a chegar ao fim e dará lugar a algo cujos contornos ninguém pode ainda antecipar. Di-lo com a melancolia de quem deu o melhor de si a essa arte para a qual agora não vê futuro, mas também com a lucidez de quem sabe que "a função do artista não é a de lutar contra a tecnologia". Nesta perspectiva, e substituindo o objecto de estudo, Pedro Barbosa alerta que “(…) o argumento de o teatro ter uma história milenar não é garantia da sua perenidade: porque o teatro, como tudo o que é actividade humana, não é eterno: é histórico. E não tenhamos ilusões: o contexto histórico alterou-se radicalmente. (…)” Podemos continuar a colocar questões imensas e de cariz mais ou menos relevante acerca da prática teatral nacional, ou, num assertivo gesto, compreender da urgência da sua maleabilidade. As adaptações e metamorfoses que o teatro enfrenta, não comportam necessariamente a incoerência, nem violam a sua essência, antes pelo contrário, manifestam a sua grandeza ao apresentarem os imensos territórios que nele convergem. Num palco social onde a individualidade prevalece e a necessidade de ser primeiro ultrapassa o único-plural para se transformar num singular-egoista, esta conjugação de linguagens que o teatro nos oferece quase alcança e sub-roga, numa merecida conquista, o tão famigerado gesamtkunstwerk Wagneriano. Este sentido, ou sentidos, de obra de arte total, pode, pela sua multiplicidade de linguagens distanciar as pessoas pela complexidade apresentada e tornar-se num gesto de incompreendida resistência, quase roçando a arrogância e antecipar, por abandono e desprezo, a morte do teatro. Mas a quem interessa o teatro? O que entendemos nós por teatro? Em que minúscula gaveta o guardamos? É necessário que hoje, encontrando-se este transformado, o teatro contraia uma nova atitude estética; recupere espaços idos de identidade; se reencontre diante novas formas de expressão estéticas adjacentes a ele, como é caso da televisão, do cinema e, mais tangencialmente a literatura. “O teatro, enquanto meio de expressão, tem potencialidades únicas e uma força muito própria. Mas nem sempre se tira partido disso – desde logo no seu começo, que é o texto ou projecto dramatúrgico – talvez por falta de uma tomada de consciência prévia da sua identidade estética.” O Teatro pode permitir-nos mais do que a particular circunstância de espectáculo, motivo da co-presença entre espectadores e actores. O teatro pode originar uma envolvência total, ultrapassando o referido fenómeno de contacto como a ele se referia Grotowski; “ pode abrir-se à participação física e emocional do espectador, pode tornar-se num momento de “comunhão”: no limite o teatro pode mesmo transformar-se numa vivência estética integral. E isso nenhuma outra arte consegue fazer.”

O presente, ponto de colisão entre um passado consumado e um futuro intentado, manifesta a sua imensa instabilidade ao comportar tradição e buscar a miragem do imperceptível novo. O teatro é pródigo em reerguer-se de entre pauis de malogrados diagnósticos e antecipadas certidões de óbito, no entanto, padece no momento de um infortúnio castrador, inibidor, um vírus letal com odor a conformismo e parasitismo mais conhecido por lei de mercado – digo mercador – com enorme capacidade de o imobilizar. O cumprir de essência do fazedor único que somos encontra-se limitado pela dimensão da carteira pessoal. Parafraseando Agostinho da Silva, a cultura será uma realidade necessária quando todos tiverem lugar à digestão. Ora, ou se pensa no abandono da compra do gratuito a que apelidamos de vida, ou o acesso à praxis cultural continuará restrito e arrumado da prateleira mais recôndita do armário das nossas necessidades. É numa perspectiva de reeducação, reestruturação e responsabilização cultural que surge o Janelas Plurais – Núcleo de Arte dramática. Será um rotundo falhanço a génese deste núcleo se não se desenvolverem hábitos de frequência e debate, se não forem criadas e perspectivadas novas formas de participação do município no acto cultural. Todavia, ao promotor, cabe-lhe o facultar de possibilidades, estas serão potenciais palcos de amadurecimento se houver lugar à procura. A cultura pode não se compreender, daí a premente necessidade de discussão, estudo, observação e empenho na pesquisa do objecto incompreendido de modo a que este se manifeste a cada passo mais claro e perceptível, rejeitando assim uma duvidosa prática etnocentrica e sobretudo, demolindo os muros que povoam determinadas comunidades, que, no dizer de Boaventura Sousa Santos, se denominam de Comunidades fortaleza. A irresponsabilidade de renúncia cultural, a limitação de acesso a um vasto leque de territórios, pensamentos e práticas culturais diferentes das que vivemos, pode provocar danos irreversíveis. A que distância estaremos do ponto de irreversibilidade? Localizamo-nos antes ou depois desse perigoso ponto? Assumindo esta última situação, qualquer que fosse a proposta de acção, não passaria de uma intenção e o esforço aplicado um despropositado gesto. Contudo, as impossibilidades, como as distâncias, medem-se em determinação e aí, os mais rígidos significados correm o risco de se esbaterem. Determinados mas não teimosos, abertos e não enclausurados, disponíveis e não promotores de adiamento, assumimos o compromisso com o município que nos acolheu (mas cientes da acção num plano nacional) de promovermos o confronto de ideias, o debate cultural e a formação artística nos diversos planos que integram o teatro. No proposto pelo Janelas Plurais não haverá lugar à indiferença. É propósito nosso despoletar, de forma ambivalente nas mentes que nos preencham – combatendo a monovalência instituída – um sério sentido crítico. Para tal, e de modo a que se exerça este gesto com responsabilidade, é necessária a promoção de lugares de estudo e de debate. Os potenciais parceiros serão presença constante nas acções criadas, possibilitando o encontro entre dramaturgos, actores, encenadores e técnicos, filósofos, críticos, mestres e profissionais que vêem no palco um lugar de convergência de linguagens. Neste plano, a musica, o movimento e a dança, a literatura, a pintura, a arquitectura e outras áreas passíveis de se reunirem em cena serão discutidas e sobretudo miscigenadas, com a necessária dose de conhecimento e responsabilidade, de modo a produzirem esse teatro mutável, mas acima de tudo permanecendo em essência teatro. A premência do debate cultural, o pensar o teatro, não se pode afirmar como bastante para uma mudança de mentalidade e uma nova atitude perante os gestos culturais praticados. É fundamental que haja lugar à prática e que, evidentemente, esta se complemente com a anterior. De modo a dar cumprimento ao estabelecido nos seus estatutos, o Núcleo encerra uma companhia de teatro constituída por técnicos qualificados nos distintos campos que integram a arte dramática. Seria despropositado o delimitar de acção desta equipa e rotular à nascença a sua prática teatral, no entanto, fica esclarecido que a pluralidade manifestada no designar do núcleo será mantida, e as linhas em diálogo no palco atestarão, ou não, da verdade do dito. Se há um dito, há um não dito, se há um visto, há um não visto. O fazer teatro desta companhia será essencialmente sugerido pelo não dito, não visto, não conhecido, projectando em cena novos textos, linguagens, novos lugares do palco, havendo contudo, e como não poderia deixar de ser, lugar para o cânone, para os chamados clássicos, respeitosamente trazidos à cena de hoje. Seguindo o conselho de Horácio, tudo o que delinearmos será “sempre simples e ao mesmo tempo um todo.” A poiesis dramática adoptada, que permitirá que a mimesis funcione, terá sempre presente a possibilidade de convergência e coabitação entre inúmeros planos. Esta multiplicidade não comporta necessariamente um espaço ruidoso, uma visão plural pode ter origem num espaço vazio onde seja possível a construção, a criação, uma renovada leitura a cada olhar dirigido. O Núcleo de Arte Dramática tem desde hoje as suas janelas abertas. A sua existência será uma efectividade enquanto nele, os personagens que representamos, encontrarem palco e sentirem necessidade de a outros indicar lugares de representação. Fruto de renovada imaginação – elemento fundamental, e hoje enclausurado numa velha caixinha de música tocando formatação – o teatro, à imagem dos palcos vizinhos, enriquecerá a cidade de Fafe. Voltando a Agostinho da Silva, que o nosso saber de adulto não obstrua o nosso brincar de criança – Poeta irrefreável do grande teatro do mundo onde habita o hibridismo de fronteiras entre territórios – real e ficcional. Com coragem, auxiliemos a cultura a erguer-se do lancil onde sentada suga migalhas, e num gesto humilde peçamos que desça da sua janela de palácio e se mostre diante nós para melhor a compreendermos. O Janelas Plurais dispõe-se a esse propósito.